O cenário é notoriamente de decadência e abandono. Localizado na avenida Horário Nóbrega, no Belo Horizonte em Patos, o Presídio Feminino José Américo, construído em 1955, transformou-se num campo minado de guerra, torturas, brigas entre rivais e um cenário de completo descaso jamais visto talvez no Sistema Prisional do Brasil. Nele se incluem cenas onde predomina o cabal desacato aos direitos humanos.
Esta semana, o Presídio foi alvo de sérias denúncias partindo de apenadas que não suportam mais tanto descaso. A albergada Vilma Francisca da Conceição, que cumpre pena por tráfico de drogas em regime semi-aberto, tendo cumprido 3 anos 8 meses em regime fechado, procurou a reportagem do Programa Cidade em Debate da Rádio 102 FM, para denunciar atos de tortura por parte de agentes penitenciários dentro do Presídio.
De acordo com Vilma, a apenada Maria Vitória Balbino dos Santos, que cumpre pena por tráfico de drogas há nove anos, foi a vítima em questão. O fato aconteceu no domingo 23 de janeiro.
Vilma disse que Vitória, bastante estressada, teria pedido para ser colocada em outro local, pois não agüentava mais tanto sofrimento dentro do presídio. A diretora Maria de Fátima teria afirmado que iria atender seu pedido após ela tomar um banho. "Ela tomou um banho e ficou esperando ser atendida, quando de repente, a diretora chegou com dois agentes do Presídio Romero Nóbrega. Eu disse: dona Fátima a senhora chamou os agentes. Ela respondeu que não teria sido ela", contou Vilma.
Segundo Vilma, os agentes já chegaram pronunciando palavrões. - Eles entraram na cela, torceram o braço dela e assim começaram as agressões - declarou a Vilma acrescentando que eles a algemaram para trás e a colocaram no chão e iniciaram cenas de horrores de espancamento, com pisões na cabeça de bota, pancadas com cassetetes.
Segundo Vilma, ela tentou ajudar a companheira e acabou também apanhando com cassetetes ficando com hematomas no braço e na perna, vistos pela reportagem.
Vilma disse que a sua companheira foi colocada ferida dentro da cela e não recebeu nenhum atendimento médico, e continua com hematomas por todo o corpo. "Ela pediu para fazer o exame de corpo delito, mas não foi atendida pela direção do presídio", contou Vilma.
Em entrevista à Rádio 102 FM, a presidente do Conselho da Mulher, Francisca Vasconcelos, repudiou o procedimento dos agentes. - Isso é brutalidade, é falta de respeito e causa indignação. É preciso saber o nome desses agentes covardes porque isso não é forma de se tratar um ser humano - disse a presidente.
Francisca afirmou que o fato de estarem cumprindo penas, não significa dizer que elas possam ser vítimas de violência. "Não havia necessidade de chamarem os agentes brutamontes, nem precisão desses covardes agirem desta forma. Isso não é possível acontecer num presídio que é totalmente abandonado", disse ela.
Vasconcelos denunciou que o presídio é desumano, superlotado, sem condição alguma de funcionamento e abandonado. Ela prometeu levar o caso a Comissão de Direitos Humanos na Capital para devidas providências.
Versão dos agentes - Já o agente penitenciário Dênis Pereira Januário, justificou as agressões do colega e apresentou sua versão sobre o fato.
Versão dos agentes - Já o agente penitenciário Dênis Pereira Januário, justificou as agressões do colega e apresentou sua versão sobre o fato.
Ele disse quando seus colegas chegaram ao presídio já encontraram cenas de total tumulto e os agentes acharam por bem levá-la para uma cela isolada para garantir a integridade da apenada.
Dênis disse que o que aconteceu dai para frente foi uma sucessiva ação de acordo com os fatos registrados. "Eles tiveram que usar a força proporcional para situação devido ao estado de transtorno da apenada. Ela estava em total surto psicótico", relatou.
- O nosso colega teve que usar da força para poder se desvencilhar da mordida da apenada. Foi nesse momento que ele tentou lançá-la ao chão para poder tirar a mão porque ela não queria soltar - alegou o agente.
OAB repudia atos de tortura no Presídio Feminino
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Patos, Alexandre Nunes, repudiou toda e qualquer violência que por ventura tenha existido, bem como o excesso por parte dos agentes.
Ele disse que as apenadas podem fazer a denúncia a Comissão de Direitos Humanos pra devidas providencias.
Alexandre disse que toda e qualquer tortura é repudiável, mas que o caso carecia de devidas apurações para não se cometer injustiças.
O presidente disse que caso as apenadas queiram formalizar a denúncia, também pode procurar o presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB, advogado Abraão Teixeira Junior, para medidas cabíveis.
Diretora do Presídio Feminino dá sua versão para os fatos
A diretora do Presídio Regional Feminino de Patos, Maria de Fátima, prestou esclarecimentos a respeito das denúncias de tortura na unidade.
- Sei que irão ficar com raiva de mim pelo que eu vou dizer, mas eles (agentes penitenciários) se precipitaram sim. Eles pediram para que a cela da detenta fosse aberta para que ela fosse colocada em uma cela isolada. Ela resistiu e foi assim que tudo começou. Como ela estava fora de si e tentou reagir, eles também tiveram que usar da força - disse a diretora.
Ela acrescentou ainda que a única atitude errada no comportamento dos agentes penitenciários acusados de torturarem a detenta, "foi deixem ela algemada, na cela isolada, sem que eu estivesse com as chaves das algemas."
- Eu tive que ligar para o diretor do presídio onde eles trabalham, que estava em Campina Grande, pedindo autorização para pegar as chaves de volta. A presidiária permanece no isolado até hoje, esperando transferência - concluiu.
A diretora não divulgou o nome dos dois agentes penitenciários que teriam patrocinado as cenas de tortura.
No entanto, não se pode ainda dizer que os agentes recorrem constantemente a diferentes métodos de tortura, muitos dos quais utilizados sob o regime militar, a saber: o telefone, ou seja, o golpe nos ouvidos com a mão em concha; o eletro-choque; o pau-de-arara, que consiste em amarrar a vítima com as mãos sob os pés e pendurá-la de cabeça para baixo em uma barra de madeira ou metal, submetendo-a a espancamentos ou choques elétricos; a palmatória; a execução fingida; e a submissão de cabeça em saco plástico cheio de água até o parcial afogamento.
Até o momento, não houve pronunciamento do Ministério Público ou Comissão dos Direitos Humanos.
Clima é tenso dentro do José Américo
Três dias após a denúncia de tortura, a apenada Maria Vitória enviou uma carta ao Programa Cidade em Debate relatando que precisava de atendimento médico, pois continuava com hematomas pelo corpo, apresentando febre, mas que mesmo assim, a direção não autorizou a sua saída para atendimento hospitalar.
Vitória pediu segurança de vida, pois estaria recebendo constantes ameaças dentro do presídio por parte de outras apenadas.
No mesmo dia, 17 apenadas do José Américo enviaram para redação do Programa Cidade em Debate, uma carta em que pede a transferência imediata de Vitória que seria responsável por atos de agressões física e moral, tortura, extorsão e ameaças as demais detentas.
Segundo a carta, filhos de apenadas foram ameaçados pela detenta que tem um histórico agressivo dentro da unidade prisional. As apenadas pediram providencias urgentes para que não fosse necessário agir com as próprias mãos.
Na carta, as apenadas ainda disseram que as demais detentas não assinaram a carta com medo de represálias por parte de Vitória.
Em um número crescente de prisões, algumas pretensamente de segurança máxima, constata-se o fenômeno do autogoverno, ou seja, o comando da vida carcerária por narcotraficantes, líderes de quadrilhas, que estabelecem seus próprios códigos de conduta e, com o beneplácito dos carcereiros e dos diretores, exibem, de modo acintoso, granadas, revólveres, metralhadoras, além de drogas e celulares.
Os que mais sofrem são os presos sem recursos, os laranjas, reduzidos à condição de escravos, obrigados a tudo fazerem por seus algozes, até mesmo ceder-lhes a esposa ou a filha moça em troca de proteção para si e sua família.
Nessa zona obscura onde se exercita o poder em toda a sua dimensão autoritária, se distorce a personalidade e se fere a golpes mortais e diários a dignidade, ainda se faz uso, no discurso oficial, da proposta aporética e anódina da ressocialização.